Por ser uma cidade modernista, Brasília teve, desde o nascedouro, um planejamento voltado preferencialmente para carros, em detrimento de uma mobilidade ativa, que priorizasse pessoas. Infelizmente, o pensamento do urbanista que planejou a capital, Lúcio Costa, não vingou, quando disse que os veículos individuais seriam domesticados. Ocorreu o contrário: eles se expandiram e ocuparam todos os espaços, até mesmo dos pedestres, que ficaram sem calçadas, transformadas que foram em estacionamentos.
A opção rodoviarista tem gerado incontáveis custos para a saúde pública. Em 2015, o Inesc fez um estudo do orçamento da mobilidade e um exercício para ver o quanto é gasto do orçamento da saúde com acidentes de trânsito. E quando comparamos os gastos dentro do orçamento temático da mobilidade, o dado é bastante relevante, pois se gasta muito mais com o atendimento aos acidentados do que com campanhas preventivas. Estimou-se que o gasto com a educação foi de cerca de 10% em relação ao gasto com acidentes, mesmo que não se tenha números precisos, visto que os acidentes são subnotificados.
Fica-se no eterno dilema de que, enquanto o transporte público não for adequado, não é possível adotar medidas de restrição ao uso do automóvel. O que não percebem é que esse mesmo sistema ‘inadequado’ funciona para cerca de 1 milhão de pessoas que se deslocam diariamente de transporte coletivo no DF, sem contar com as mais de 200 mil pessoas que moram no entorno e se deslocam para o Plano Piloto todos os dias.
Além disso, há uma ilusão vendida pela indústria do automóvel, de que o motorista sempre encontrará ruas vazias, passando assim sensação de uma falsa liberdade para quem usa o carro; ou mesmo de status por possuir um bem como um automóvel, que dialoga com a sociedade de consumo, “para se ter sucesso é preciso ter um carro potente”. No entanto, também já se sabe que a redução da velocidade nas cidades é uma necessidade não só de humanização do espaço público, como também de fruição do trânsito.
Os sucessivos governantes do DF continuam achando que é mais fácil repetir os mesmos erros do que inovar para tornar Brasília uma cidade mais humana. Por terem mandatos de quatro anos, os governantes preferem não enfrentar a cultura arraigada de que todas as pessoas devem ter carros particulares e infraestrutura adequada para a sua circulação. E, em vez de criarem campanhas educativas e políticas de restrição do uso dos automóveis, para a implantação de uma nova cultura mais humanizada, preferem continuar apostando no que a maior parte da população acredita ser o melhor caminho, até por não terem experimentado outras formas.
Com relação ao Plano Piloto, onde há durante o dia uma intensa circulação de pessoas de diversas partes do DF, é preciso superar a leitura de que o tombamento não permite alterar o seu traçado. Ora, uma das diretrizes do tombamento é a “circulação livre de pedestres garantida pela ausência de barreiras de qualquer natureza, até mesmo cercas-vivas, nos pilotis e espaços públicos”. No entanto, é necessário que a população e o governo se conscientizem que uma via, onde a velocidade permitida é de 80 km/h, como o Eixão, que corta todo Plano Piloto, é um muro que separa a cidade em duas. A ausência de iluminação pública e segurança também são barreiras, especialmente para as mulheres, para quem a cidade é mais perigosa.
A semana da mobilidade e o dia mundial sem carro é um momento de, coletivamente, a população e governo refletirem sobre outras possibilidades de cidades, mais inclusivas, mais democráticas, mais humanizadas. Para pessoas, não para carros.
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