Iram Saraiva
Onde impera a impunidade, o criminoso estabelece residência
Eita República sem sorte é esta nossa. Desde a sua proclamação é esse Deus nos acuda. Raríssimos foram os presidentes que não deixaram uma triste memória. Há sempre uma vocação para o golpe, para a enganação, que nunca vi. De instabilidade política à corrupção já ouve de tudo, e, mesmo assim, as gerações vêm aguentando, nem sei como.
Entra governo, sai governo, e o lodo só aumenta. Nosso povo é de uma paciência inexplicável. Não sai nenhum tirinho para o ar para ver se a bandidagem assusta. No máximo, a gente faz uma passeata no final de semana, cheia de faixas com dizeres “Fora não sei o quê” e segunda-feira já está tudo de bom tamanho, naquele dia a dia de reclamações pelo sucateamento da saúde, da educação, da previdência e demais arredores que afetam a vida de cada um.
Até que não ser um povo belicoso tem suas vantagens, mas também exagerar na passividade em nada contribui para solucionar alguma coisa. Exatamente por sermos nação ordeira, cordata e contemporizadora é que quem assume o poder não se sente obrigado ao bom exercício das funções públicas. Onde impera a impunidade, o criminoso estabelece residência.
Tenho insistentemente culpado os sistemas político e de governo pelos malfeitos em geral e não poupo de jeito nenhum os ladrões que adentram os poderes, mas sou obrigado a reconhecer que tudo tem princípio e meio no presidencialismo. Ele dá asas à corrupção que voa sobre Executivo, Legislativo e Judiciário, com o agravante de ser doença crônica.
Sonhei, na madrugada passada, que havíamos escolhido um síndico para suceder Temer, aquele constitucionalista que se perdeu ao aplicar a Constituição, sobre a qual é doutrinador – já não entendo mais nada do que achei que houvesse aprendido na tradicional escola de Direito da Rua 20.
Agora compreendo o sonho. Sim, um síndico, porque ele trabalha para zelar pelos interesses de todos seguindo fielmente a planilha de credito e débito e todo mês demonstra, entregando a cada um, o detalhamento dos caminhos percorridos pelo dinheiro, mas, antes, caminha pelos corredores e pátios do prédio para saber onde os recursos precisam ser aplicados no benefício geral.
PS: Carlos Heitor Cony foi. Ficou o espaço que ninguém ocupa.
Iram Saraiva é ministro emérito do Tribunal de Contas da União.