ENTREVISTA: Um fotógrafo que cobre o poder, muitas vezes, tem que fotografar com o ouvido

Fotógrafo de política Orlando Brito conta a trajetória na profissão, sua dedicação e inspiração para realizar imagens que contribuem à história brasileira com a missão de sempre informar o leitor sobre o fato fotografado

Algumas pessoas relatam a história da política brasileira pelas palavras, enquanto outras a mostram por meio de imagens. Fotógrafo do “poder”, Orlando Brito, 66 anos, desde criança era encantado pela escrita feita com a luz. Não demorou muito tempo e ele foi trabalhar no jornal que o fascinava na infância. Depois de tantas experiências desafiadoras e imprevisíveis pelo mundo, Brito é capaz de saber quando os fotografados trocaram de perfume. Para que isso aconteça, ele diz entrar na alma dos personagens e transformar a proximidade em trabalho. Ao Portal de Jornalismo do Iesb, o fotógrafo que cobriu a ditadura militar, copas do mundo, jogos olímpicos e a rotina de todos os presidentes desde Humberto Castello Branco fala dos encantos e dos desafios da profissão. É uma aula de jornalismo.

O que te levou a ser fotógrafo? Qual foi a sua primeira grande experiência com fotografia?

O que me levou a ser fotógrafo foi a minha grande afeição pelas notícias, pelas imagens. Quando eu era garoto, tinha lá os meus 7 ou 8 anos, meu pai sempre pedia para eu comprar jornais na banca de revista. E eu ia lá, comprava o jornal chamado Última Hora. Quando eu chegava à banca de revista, eu menino de calças curtas, ficava embevecido com aquela variedade de imagens. Ficava encantado com tudo o que era notícia e, sobretudo aquilo que tinha imagens. Dez anos depois quando eu tinha lá os meus 16, eu fui trabalhar no jornal Última Hora. O mesmo jornal que me encantava.

Quais eram as dificuldades enfrentadas pelos fotógrafos naquela época?

Naquela época o grande problema era a comunicação. As comunicações eram bem diferentes de hoje. Hoje você faz um clique e a fotografia vai para aonde você desejar, através da telefonia celular, do advento da computação, da internet. Naquela época não. Você tinha que fotografar, revelar e se você trabalhasse longe da sede do jornal, você tinha que enviar o filme por avião. E se não fosse por avião, era por telefoto. Hoje você fecha o olho, aperta o dedo e a fotografia sai e vai para onde você quiser. Antigamente não. Você tinha que construir uma imagem. A imagem não se bastava com um clique. O clique era somente o início de uma história. Hoje é o fim.


Como fotógrafo experiente, quais seriam os detalhes que você arrumaria hoje na sua primeira foto? No caso, a do presidente Humberto Castello Branco, que foi encontrar o arcebispo?

Eu mudaria talvez o ângulo que eu fiz. Era um ângulo muito frontal. Eu valorizaria mais a figura do presidente do que a do bispo. Um fotógrafo famoso disse que hoje, ele aos 70 anos, um clique dele é um resultado não somente de um impulso motor do dedo, mas o resultado das viagens que ele fez, das pessoas que ele conheceu, dos livros que ele leu, da vida que ele viveu, das experiências que ele angariou, do conhecimento que ele aprendeu a adquirir. É importante isso você usar o seu conhecimento em favor da realização de uma imagem. Eu voltaria no tempo para corrigir essa coisa que eu considero não é inadequada e nem indevida, também não é equivocada, mas eu faria uma pequena correção.

Você passou por alguma situação inesperada quando cobria a ditadura militar?

Sim, várias. Um fotógrafo de notícias está sempre no front dos acontecimentos. Os acontecimentos são imprevisíveis. Você não tem domínio sobre eles. As próprias fotos que eu fiz foram resultado do inesperado. Por exemplo, eu estava certa vez numa redação e um colega me chamou para fazer uma matéria de exercícios militares. Quando cheguei lá, era um treinamento para tortura. Eu fotografei aquilo com um duplo sentimento. Um nó na garganta de ver que aquilo existia, mas ao mesmo tempo eu comemorava o alento de registrar algo tão importante, que no fundo era uma denúncia.

Você fotografou todos os presidentes desde o Marechal Humberto Castello Branco. Qual foi o mais difícil de fotografar?

Todos eles são difíceis. Tem uma condição difícil e uma condição fácil de fotografar. Eu procuro fazer no meu setor de trabalho o melhor possível. Eu sou capaz de perceber se qualquer um desses presidentes estão num bom dia ou num mau dia, se dormiu bem, se estão de mau humor. É importante você entrar na alma desses personagens. No meu caso é muito importante a proximidade que você tem dessas pessoas. Às vezes eu me sinto tão próximo desses personagens que sei até o dia que eles trocaram de perfume. Mas você tem que transformar isso em trabalho, no meu caso em fotografia, o que nem sempre você consegue.

De todas as suas coberturas fotojornalísticas, qual foi a mais desafiadora?

Cada uma é desafiadora. Você encontra desafios antes de cada clique. Por exemplo, uma vez eu estava voltando de uma grande cobertura no Nordeste, aliás, uma cobertura de viagem presidencial. Eu estava de carro no interior do Ceará e encontrei uma família pai, mãe e dois filhos, um de colo e outro adolescente. Na mão do pai tinha um caixãozinho de bebê. Eles estavam indo enterrar o filhinho recém-nascido. Quer dizer, isso é mais importante para mim do que a cobertura que eu fui fazer de pessoas engravatadas famosas.


Tem algum tipo de cobertura fotográfica que você não fez e ainda pretende fazer? O que você pretende retratar nela?

Eu nunca fiz um parto, por exemplo. Na nossa profissão a gente não tem o controle da nossa produção. Imagina, você está aí para o que der e vier. Você não escolhe temas. Eu tenho aversão a sangue, a essa coisa toda. Se for de boa vontade eu jamais faria. Mas também, por vontade eu jamais faria um mergulho, uma foto subaquática, eu não sei nadar, no entanto uma das fotos mais bacanas que eu fiz foi do presidente Collor debaixo de água. E sem saber nadar. Eu já fotografei a morte três vezes. No exato momento da pessoa morrendo. Quem é que deseja em sua vida retratar a morte? Eu podia alguma vez imaginar, desejar, prever que iria fotografar alguém morrendo? Mas, no entanto exatamente três vezes a morte apareceu na minha frente. Isso é o grande barato dessa profissão.

Algum fotógrafo te inspira? O que você adotou dele?

Muitos me inspiram. Também tem pintores, poetas, estetas, pessoas me inspiram. Eu não faço somente a cena da política, eu cubro tudo. Eu sou um fotógrafo que gosto de estar presente em tudo. Os fotógrafos de guerra, você tem o Robert Capa. O estúdio não é o meu forte, mas eu gostei muito do trabalho do Arnold Newman que é um fotógrafo americano que fazia os retratos oficiais dos presidentes da Casa Branca. Nas questões sociais tem o Martín Chambi. Em fotografias de puro jornalismo, o Evandro Teixeira, o Erno Schneider, entre outros. É legal você ter referências. A fotografia é um mundo muito vasto. Se você quiser fazer direito esse ofício tem cair dentro dele corpo e alma. É o que eu tento fazer.


O que difere um fotógrafo de política de um fotógrafo de outras áreas?

Em primeiro lugar você tem que gostar de política e eu gosto disso. A minha primeira foto foi de um presidente. O meu primeiro setor foi o Palácio do Planalto, o Congresso. É natural que você aprimore o seu conhecimento sobre o tema. Um fotógrafo do poder, no meu caso, aqui a política, eu me inteiro diariamente. Eu vou dormir lendo os jornais de amanhã. Quando o jornal sai amanhã para mim ele já está velho, porque eu já vi na internet. Um fotógrafo tem que ter relacionamento com fontes, tem que ter conhecimento, tem que ouvir. Um fotógrafo que cobre o poder, muitas vezes, tem que fotografar com o ouvido.

De todas as suas fotos, qual faz você refletir ao vê-la?

Tem algumas fotos que você tem preferência inexplicável. Inexplicável, não. Preferência. Cada fotografia tem uma história. Se não tem para as pessoas, tem para mim. Eu estava saindo uma vez do Congresso e encontrei o doutor Ulysses Guimarães esperando o elevador. Foi a última foto da vida dele. A foto foi capa da revista, virou estátua, virou símbolo da premonição. Cada fotografia tem uma história diferente. Tem a fotografia de um indiozinho, menino dez anos, que é um close. É um close. Eu fui fotografar uma matéria sobre índios no Mato Grosso há muito tempo e voltei lá um ano depois, procurei aquele indiozinho e ele tinha morrido. Para você não tem valor, mas para mim tem.

Por: 
Marina Ferreira

Foto: Orlando Brito

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